Por Orlando Lima Jr.
Pedro foi um dos mais ilustres pecadores ao qual esta
terra teve a honra de empoeirar os pés. Considerado primeiro líder da igreja de
Cristo, este personagem inconstante e temperamental, não por acaso, reuni
atributos que tornam sua escolha apaixonadamente interessante. Não que me
atreva a adentrar no terreno inefável dos critérios das escolhas divina, apenas
observo que Pedro não foi escolhido líder apesar dos seus muitos defeitos, mas
principalmente, por causa destes.
Durante todos aqueles anos em que caminhava com
Cristo, Pedro mais de uma vez deu mancadas e foras onde revelava a todos os
seus irmãos suas falhas de caráter, seu temperamento irascível, seu desejo por
deferência, sua tendência a falar demais e precipitadamente, sua ortodoxa
religiosidade e sua preocupação com as opiniões alheias.
Diante dos critérios de moral, conduta e competência
sob os quais as pessoas são promovidas a posições de liderança, a escolha desta pedra demonstra o quanto Jesus valorizava o
histórico moral e curricular de alguém. A escolha de pessoas como Pedro,
Moisés, Jacó, Davi, Sansão e outros tantos impostores que abrilhantam as
histórias bíblicas descreve de diversas maneiras o escandaloso mistério da
graça: o de que estar perdido é pré-requisito para ser achado, de que ser
doente é condição para ser curado, e de que ser pecador é qualidade requerida
para ser santo, e que, principalmente, ‘aquilo que é elevado entre
os homens é abominação diante de Deus’ (Lc 16.15). Pronto. Este é o crivo
pelo qual todas as coisas são julgadas. Viva isto e serás contado entre os seus!
É elevado entre os homens? Então não
serve! Todo mundo quer? Então não serve! A mensagem da cruz de Cristo é uma
apaixonante loucura onde Deus demonstra sua predileção pela escória. Onde Deus
se coloca como a porção única e absoluta de retidão, inalcançável a qualquer
criatura. Onde se faz necessário que minha falência revela o sublime amor de
Deus.
Entretanto,
Pedro não foi escolhido líder dos apóstolos e da igreja apenas por conta de sua
invejável coleção de falhas morais. É aqui que vejo o terno cuidado de Cristo; Pedro foi escolhido pastor dos seus irmãos
por que carecia ser pastoreado por eles. Cristo sabia que Pedro não ia
muito longe sozinho, por isso não lhe deu nenhum encargo missionário. Sabia que
Pedro precisava de pessoas na jornada. Que sua altivez deveria ser tradada no
convívio com a comunidade a qual estava atado por ordem de seu Senhor, e que
era estes mesmos que Cristo o dera para cuidar que seriam seus tutores. Pedro, a pedra, era uma ovelha que precisava de
muitos pastores. O chamado de Pedro o colocava em um profundo e íntimo
envolvimento fraterno com seus irmãos do qual ele não poderia fugir. Pedro,
altivo, independente e impetuoso, perdera para sempre o direito de ir onde
quisesse.
A escolha de
Pedro carrega consigo mais um belo paradoxo da liderança cristã: além do já
estabelecido de que o líder é o que serve e não o que é servido, líder não é o
chamado para conduzir, mas para ser conduzido! O líder cristão tem, de maneira
viva e insofismável, a própria corruptibilidade diante dos seus olhos, e sabe
que fazer amigos discípulos e
influenciar pessoas pode ser a maior das tentações. A pedra Pedro, o matuto
pescador desprovido de qualquer elegância e eloquência, mostra, com isso, pouca
disponibilidade de tornar-se um líder carismático e popular. Seu histórico de inconstância
e tropeços, seu orgulho e altivez sucedidos por um profundo trauma em ter sido
flagrado traindo justamente àquele a quem jurou lealdade ( que nunca lhe foi exigida
) constroem este ilustre pecador: um homem ferido, prostrado e lucidamente consciente
de sua iminente falência, e ainda assim, perdoado e amado.
Pedro é o líder
lesado pelas marcas da graça. É aquele que jamais ousaria bater no peito e
citá-lo como exemplo de alguma coisa ( como, infelizmente, tornou-se comum na
liderança em geral ), não porque não o quisesse ou num gesto de humildade e
modéstia. Pelo contrário. É por constrangimento de, como em outras vezes,
arrogar para si atributos que nunca serão seus. Ou por vergonha em ter que,
mais uma vez, encarar o mestre, só que agora olhando no rosto dos seus irmãos.
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